sábado, 22 de janeiro de 2011

TUMORES ÓSSEOS

 
I - ABORDAGEM CLÍNICA PARA O DIAGNÓSTICO DOS TUMORES
ÓSSEOS E SARCOMAS DE PARTES MOLES

A conduta médica nos pacientes com suspeita ou portadores de tumores ósseos mudou sensi-velmente na última década. Atualmente há, com o tratamento, uma perspectiva de sobrevida acima de 5 anos de no mínimo 50%, tanto no osteossarcoma como no tumor de Ewing.

O diagnóstico precoce e o pronto encaminhamento para o especialista em cirurgia ortopédica oncológica será indubitavelmente de grande importância para o paciente. Infelizmente, muitos pacientes com tumores ósseos malignos são diagnosticados tardiamente, apresentando lesões extensas e com isso impedindo o tratamento de preservação do membro, com óbvio comprometimento da sobrevida.

Os sintomas iniciais são marcadamente consistentes, a despeito da ausência de tumor palpável. A maior parte dos pacientes irá perceber uma dor leve na parte envolvida, que gradualmente aumenta na intensidade e duração, até se tornar constante. Geralmente a dor não piora com a atividade, mas costuma intensificar-se à noite. A princípio sua intensidade é variável, mas, com a progressão do tumor, torna-se constante e só parcialmente aliviada pelo uso de analgésicos.

Em metade dos pacientes a dor é acompanhada de inchaço da região comprometida, mas em alguns poucos pacientes não há dor e o inchaço é o único sinal presente.

Quando uma dor progressiva e inchaço aparecem associados na extremidade de um osso longo, um tumor ósseo deve ser considerado na lista dos diagnósticos diferenciais.

A dor nas extremidades é muito comum na prática clínica, mas a duração e a natureza progressiva dos sintomas deve alertar os pediatras, os clínicos e os ortopedistas sobre a possibilidade de uma patologia óssea subjacente.

É de nos surpreender o tempo que os pacientes sofrem os sintomas antes de procurar um médico. Nos países desenvolvidos, uma média de 6 semanas para os pacientes com osteossarcoma, 16 semanas para pacientes com tumor de Ewing e 21 semanas para pacientes com condrossarcoma. Em nosso meio, esses prazos são seguramente multiplicados por dois. Isto significa que um paciente portador de osteossarcoma já apresenta sintomas no mínimo 3 meses antes de procurar atendimento médico.

Também é de assustar o tempo médio entre a consulta inicial e o início do tratamento: 7 semanas para pacientes com osteossarcoma, 31 semanas para aqueles com tumor de Ewing e aproxi-madamente 30 semanas para pacientes com condrossarcoma, em nosso meio.

As causas dessa demora são na maior parte das vezes devidas ao fato de os médicos não pensarem no diagnóstico diferencial de tumor ósseo. Quando o tumor é lembrado na primeira consulta, a radiografia freqüentemente conduz ao diagnóstico correto, imediatamente. Por outro lado, quando não se levanta a suspeita de tumor ósseo, várias modalidades de tratamento (imobilizações, fisioterapia, manipulações) são utilizadas, sem benefícios para o paciente e infelizmente atrasando o correto diagnóstico do tumor.

Os tumores da pelve mostraram-se particularmente difíceis de diagnosticar, levando uma média de aproximadamente 1 ano entre o início dos sintomas e a instituição do tratamento. Esta longa demora ocorre porque os sintomas podem mimetizar distúrbios abdominais e de coluna. Um exame cuidadoso freqüentemente pode diagnosticar a presença de uma massa e, a partir daí, conduzir para uma investigação cuidadosa.

Com o aprimoramento das técnicas de estadiamento e a efetividade do tratamento coadjuvante, houve um desenvolvimento muito grande na cirurgia ortopédica, principalmente nas ressecções dos tumores ósseos, seguidas de substituição por endopróteses não convencionais ou ossos transplantados, com a conseqüente preservação do membro, no lugar das amputações.

Essas técnicas de preservação dos membros exigem uma localização anatômica precisa do tumor através de radiografias, tomografia, arteriografia e ressonância magnética, entre outros exames.

Os tumores ósseos são primários ou secundários (metastáticos). Os tumores primários do esqueleto podem ser benignos ou malignos. Depois de uma história completa, exame físico e alguns estudos de laboratório, o tratamento dos tumores ósseos pode ser dividido em três fases: (1) estadiamento por imagem, (2) diagnóstico anátomo-patológico e (3) tratamento.

Ao formular o plano de tratamento, deve-se considerar o tipo histológico do tumor, a extensão e o comprometimento local e a possibilidade de metástases. Os fatores clínicos como idade, profissão, estilo de vida e expectativa de vida também desempenham papel importante nas opções de tratamento disponíveis.

RADIOGRAFIA

As radiografias planas dão as informações mais gerais sobre o tumor. Essas informações, combinadas com a apresentação clínica, dão alguma idéia sobre tumores primários versus metastáticos e malignos versus benignos.

A radiografia demonstra o osso e a região envolvida, a extensão e o tipo de destruição, além da quantidade de osso reacional. É importante também o estudo do tipo de matriz envolvido. Uma lesão subtrocantérica radiotransparente com pouca formação óssea reacional em uma mulher de 60 anos pode sugerir um tumor metastático. Em contraste, uma lesão destrutiva no fêmur distal em uma paciente de 12 anos de idade com neoformação óssea sugere um osteossarcoma primário.

No entanto, em aproximadamente 20% dos pacientes, nem o pediatra nem o radiologista detectam o tumor nas radiografias iniciais. Um dos principais fatores que levam ao não-diagnóstico é a pobre qualidade das radiografias. Os sinais radiográficos dos tumores, embora bem conhecidos, são freqüentemente "não"- valorizados. Eles incluem áreas mal definidas de rádio-lucência ou rádio-esclerose, neoformação óssea sub-periosteal, destruição cortical e aumento das partes moles subjacentes a lesões.

A radiografia do lado oposto para comparação é de fácil realização e sempre de ajuda. Principalmente nas crianças, onde a presença de núcleos de ossificação dificulta a interpretação, a radiografia contra-lateral é de grande valia.

MAPEAMENTO ÓSSEO

A cintilografia do esqueleto é realizada mais freqüentemente com fosfonados marcados com tecnécio 99-m. Esse rádio-isótopo é incorporado ao osso em formação. Também existe uma concen-tração aumentada de rádio-isótopos nas áreas de vascularização aumentada. As duas principais funções deste estudo são a estimativa da extensão local intramedular do tumor e uma demonstração de outras áreas esqueléticas envolvidas.

Na avaliação local do tumor, a extensão e a intensidade do aumento de concentração podem fornecer informações sobre a agressividade biológica do tumor.

A cintilografia é também de especial valor no diagnóstico das metástases salteadas, princi-palmente na fase inicial, quando são de pequeno tamanho e, em geral, não são visibilizadas nas radiografias.

A cintilografia do esqueleto continua sendo, apesar dos novos métodos de diagnóstico, a técnica mais confiável para o diagnóstico precoce e a demonstração das metástases ósseas.

TOMOGRAFIA AXIAL COMPUTADORIZADA

Desde que a tomografia axial computadorizada já é facilmente disponível em nosso meio, a experiência com sua utilização vem aumentando a cada dia. A TAC vem ajudando no diagnóstico de lesões malignas principalmente por sua capacidade de identificar pequenas metástases pulmonares, não observadas através das radiografias e da tomografia convencional.

O contraste na TAC auxilia na identificação das principais estruturas neurovasculares, bem como no realce de lesões bem vascularizadas, além de demonstrar relações entre o tumor e as partes moles adjacentes, sendo também o melhor método para a avaliação do comprometimento da cortical e de outros detalhes ósseos. É também de extremo valor na avaliação da ossificação e da calcificação da matriz.

Hoje em dia, com o aparecimento da tomografia helicoidal, o exame pode ser realizado em poucos minutos, evitando a anestesia geral em crianças.

RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA

A ressonância magnética é o avanço mais recente no diagnóstico por imagem dos tumores músculo-esqueléticos, tendo acrescentado vantagens importantes ao estadiamento. Em nossa opinião, a RNM e a TAC são exames complementares e devem, se possível, ser utilizados em conjunto.

O estudo de um tumor ósseo através da RNM inclui imagens axiais com T1 e T2 e um conjunto de imagens longitudinais no plano sagital ou frontal (T1).

Consideramos a RNM o método mais preciso para a avaliação da extensão intra e extramedular de um tumor ósseo. A imagem longitudinal T1 é ótima para a demonstração dessa relação. Em T1, o tecido neoplásico demonstra, na maioria dos tumores ósseos, uma diminuição na intensidade do sinal, quando comparado com a alta intensidade do sinal da gordura intramedular. O contraste marcante entre os sinais da gordura e do tecido neoplásico torna a RNM o melhor método para o estudo da extensão intra e extramedular do tumor ósseo.

ARTERIOGRAFIA

A indicação primária para a arteriografia é nas regiões de localização anatômica difícil, como nas cinturas escapular e pélvica. É também útil na avaliação pré-operatória de tumores que serão submetidos a cirurgias preservadoras do membro, nas quais o feixe vásculo-nervoso precisa ser sacrificado e reconstruído por causa do envolvimento causado pelo tumor. O mesmo acontece na avaliação pré-operatória de extre-midades que serão submetidas a microcirurgia.

Não se pode esquecer a utilização da arteriografia no tratamento dos tumores ósseos, onde ela é utilizada freqüentemente para a colocação do cateter junto ao tumor e a posterior infusão de quimioterapia intra-arterial.

Devido à sua dificuldade técnica e aos riscos inerentes ao exame, raramente utilizamos esse método para diagnóstico em crianças. Sua utilização fica restrita aos casos em que realizamos embolizações terapêuticas.

ESTUDO DA RESPOSTA DO TUMOR À QUIMIOTERAPIA

As alterações radiográficas consideradas como as evidências mais expressivas da resposta do tumor ao tratamento quimioterápico são:
  • a redução do volume do tumor;
  • a diminuição da vascularização angiográfica e
  • as alterações da radiografia plana, TAC e RNM que mostram a formação óssea reacional na periferia do tumor, junto às partes moles.

Contudo, nenhum desses estudos é tão preciso ou confiável para julgar a eficiência do tratamento coadjuvante quanto o mapeamento da necrose no espécime cirúrgico ressecado, que consiste no estudo histológico de várias áreas do tumor, com a finalidade de se estabelecer o grau histológico de necrose, provocado pelo efeito da quimioterapia.

BIÓPSIA

O planejamento da biópsia requer considerável estudo e estratégia, com a finalidade de nos certificarmos de que qualquer procedimento cirúrgico subseqüente, não seja prejudicado por alguma complicação.

A região correta do tumor deve ser biopsiada com o mínimo de violação dos tecidos normais. O local da biópsia deve permitir a posterior ressecção de seu trajeto, sem o comprometimento dos resultados posteriores da cirurgia conservadora. Uma hemostasia meticulosa deve ser conseguida e o uso de drenos deve ser evitado sempre que possível.

Não pode haver dúvidas de que o atraso no diagnóstico possibilita o crescimento do tumor, tornando a cirurgia de preservação do membro menos provável. Os mais longos atrasos aconteceram naqueles pacientes que tiveram suas radiografias iniciais erroneamente diagnosticadas como normais. A conseqüente "falsa segurança" causa um atraso adicional de 2 a 40 semanas, antes de uma segunda radiografia que revele o diagnóstico correto. Neste grupo de pacientes, diagnosticados de forma incorreta, 58% necessitaram amputações ou foram considerados inoperáveis, índice inaceitável quando comparado com 15% daqueles cujas radiografias iniciais foram corretamente interpretadas.

Não encontramos lugar para a biópsia por congelação nos tumores do esqueleto. Mesmo em mãos de patologistas experientes, esta modalidade de biópsia é passível de erros grotescos e comprometedores para a conduta definitiva, em nada ajudando o tratamento do tumor.

O diagnóstico dos tumores ósseos após a história, exame físico, estudos de laboratório e diagnóstico por imagem é ainda um diagnóstico de presunção. Somente após o estudo anatomopatológico do material obtido pela biópsia é que o tratamento pode ser iniciado. A finalidade da biópsia é a obtenção de tecido suficiente para um diagnóstico preciso, sem no entanto ocasionar efeitos lesivos para a lesão e, principalmente, sem prejudicar o tratamento definitivo. (40),(41),(46).

As biópsias podem ser realizadas de diferentes maneiras. Entre elas a aberta ou incisional e a percutânea ou por punção. Historicamente, a biópsia incisional tem sido considerada o procedimento com maior precisão e confiabilidade. Atualmente, contudo, a biópsia percutânea tem sido em nosso Serviço o procedimento de escolha para as lesões do esqueleto. A precisão de nossos resultados é de 90%, o que corresponde à precisão dos melhores resultados da biópsia incisional em outros Serviços no exterior. (16),(40),(37),(46).

É conceito mundial que a biópsia deve ser feita pelo cirurgião que irá realizar o tratamento definitivo do paciente. É procedimento criticável realizar-se uma biópsia em um Serviço que não tenha todas as condições de tratar o paciente (18), (39), (40), (41), (38), (46), (60), (79), (92). [Veja vídeo demonstrativo sobre biópsia em Real Player]

Biópsias realizadas de maneira inadequada são responsáveis por modificações no plano de tratamento. Esses problemas são três a cinco vezes mais comuns quando a biópsia é realizada em instituições que não contam com profissionais especializados em oncologia ortopédica, em relação às biópsias realizadas em centros especializados e de referência (60). Entre os problemas salientamos a obtenção de tecido inadequado para o diagnóstico definitivo ou erros no diagnóstico decorrentes de material não representativo, contaminação excessiva das partes moles até então não envolvidas por hematoma, infecção da cicatriz da biópsia e posicionamento da biópsia de tal forma que uma ressecção cirúrgica subseqüente fique comprometida, passando a ser obrigatória a amputação em um paciente que anteriormente poderia sofrer uma cirurgia de preservação do membro.

Independentemente da técnica utilizada, a biópsia deve ser realizada com cuidado e reunindo todas as habilidades, para que possa auxiliar na conclusão do estadiamento e dessa forma colaborar para se instituir o tratamento correto do tumor ósseo.

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