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I              - ABORDAGEM CLÍNICA PARA O DIAGNÓSTICO DOS TUMORES
ÓSSEOS E SARCOMAS DE PARTES MOLES | 
A conduta médica nos pacientes com suspeita ou portadores de tumores  ósseos mudou sensi-velmente na última década. Atualmente  há, com o tratamento, uma perspectiva de sobrevida acima de 5 anos de  no mínimo 50%, tanto no osteossarcoma como no tumor de Ewing. 
 
O diagnóstico precoce  e o pronto encaminhamento para o especialista em cirurgia ortopédica  oncológica será indubitavelmente de grande importância para  o paciente. Infelizmente, muitos pacientes com tumores ósseos malignos  são diagnosticados tardiamente, apresentando lesões extensas e  com isso impedindo o tratamento de preservação do membro, com  óbvio comprometimento da sobrevida. 
 
Os sintomas iniciais são  marcadamente consistentes, a despeito da ausência de tumor palpável.  A maior parte dos pacientes irá perceber uma dor leve na parte envolvida,  que gradualmente aumenta na intensidade e duração, até  se tornar constante. Geralmente a dor não piora com a atividade, mas  costuma intensificar-se à noite. A princípio sua intensidade é  variável, mas, com a progressão do tumor, torna-se constante e  só parcialmente aliviada pelo uso de analgésicos. 
 
Em metade dos pacientes a dor  é acompanhada de inchaço da região comprometida, mas em  alguns poucos pacientes não há dor e o inchaço é  o único sinal presente. 
 
Quando uma dor progressiva e  inchaço aparecem associados na extremidade de um osso longo, um tumor  ósseo deve ser considerado na lista dos diagnósticos diferenciais.  
 
A dor nas extremidades é  muito comum na prática clínica, mas a duração e  a natureza progressiva dos sintomas deve alertar os pediatras, os clínicos  e os ortopedistas sobre a possibilidade de uma patologia óssea subjacente.  
 
É de nos surpreender o  tempo que os pacientes sofrem os sintomas antes de procurar um médico.  Nos países desenvolvidos, uma média de 6 semanas para os pacientes  com osteossarcoma, 16 semanas para pacientes com tumor de Ewing e 21 semanas  para pacientes com condrossarcoma. Em nosso meio, esses prazos são seguramente  multiplicados por dois. Isto significa que um paciente portador de osteossarcoma  já apresenta sintomas no mínimo 3 meses antes de procurar atendimento  médico. 
 
Também é de assustar  o tempo médio entre a consulta inicial e o início do tratamento:  7 semanas para pacientes com osteossarcoma, 31 semanas para aqueles com tumor  de Ewing e aproxi-madamente 30 semanas para pacientes com condrossarcoma, em  nosso meio. 
 
As causas dessa demora são  na maior parte das vezes devidas ao fato de os médicos não pensarem  no diagnóstico diferencial de tumor ósseo. Quando o tumor é  lembrado na primeira consulta, a radiografia freqüentemente conduz ao diagnóstico  correto, imediatamente. Por outro lado, quando não se levanta a suspeita  de tumor ósseo, várias modalidades de tratamento (imobilizações,  fisioterapia, manipulações) são utilizadas, sem benefícios  para o paciente e infelizmente atrasando o correto diagnóstico do tumor.  
 
Os tumores da pelve mostraram-se  particularmente difíceis de diagnosticar, levando uma média de  aproximadamente 1 ano entre o início dos sintomas e a instituição  do tratamento. Esta longa demora ocorre porque os sintomas podem mimetizar distúrbios  abdominais e de coluna. Um exame cuidadoso freqüentemente pode diagnosticar  a presença de uma massa e, a partir daí, conduzir para uma investigação  cuidadosa. 
 
Com o aprimoramento das técnicas  de estadiamento e a efetividade do tratamento coadjuvante, houve um desenvolvimento  muito grande na cirurgia ortopédica, principalmente nas ressecções  dos tumores ósseos, seguidas de substituição por endopróteses  não convencionais ou ossos transplantados, com a conseqüente preservação  do membro, no lugar das amputações. 
 
Essas técnicas de preservação  dos membros exigem uma localização anatômica precisa do  tumor através de radiografias, tomografia, arteriografia e ressonância  magnética, entre outros exames. 
 
Os tumores ósseos são  primários ou secundários (metastáticos). Os tumores primários  do esqueleto podem ser benignos ou malignos. Depois de uma história completa,  exame físico e alguns estudos de laboratório, o tratamento dos  tumores ósseos pode ser dividido em três fases: (1) estadiamento  por imagem, (2) diagnóstico anátomo-patológico e (3) tratamento.  
 
Ao formular o plano de tratamento,  deve-se considerar o tipo histológico do tumor, a extensão e o  comprometimento local e a possibilidade de metástases. Os fatores clínicos  como idade, profissão, estilo de vida e expectativa de vida também  desempenham papel importante nas opções de tratamento disponíveis.
 
RADIOGRAFIA
 
As radiografias planas dão  as informações mais gerais sobre o tumor. Essas informações,  combinadas com a apresentação clínica, dão alguma  idéia sobre tumores primários versus metastáticos e malignos  versus benignos. 
 
A radiografia demonstra o osso  e a região envolvida, a extensão e o tipo de destruição,  além da quantidade de osso reacional. É importante também  o estudo do tipo de matriz envolvido. Uma lesão subtrocantérica  radiotransparente com pouca formação óssea reacional em  uma mulher de 60 anos pode sugerir um tumor metastático. Em contraste,  uma lesão destrutiva no fêmur distal em uma paciente de 12 anos  de idade com neoformação óssea sugere um osteossarcoma  primário. 
 
No entanto, em aproximadamente  20% dos pacientes, nem o pediatra nem o radiologista detectam o tumor nas radiografias  iniciais. Um dos principais fatores que levam ao não-diagnóstico  é a pobre qualidade das radiografias. Os sinais radiográficos  dos tumores, embora bem conhecidos, são freqüentemente "não"-  valorizados. Eles incluem áreas mal definidas de rádio-lucência  ou rádio-esclerose, neoformação óssea sub-periosteal,  destruição cortical e aumento das partes moles subjacentes a lesões.  
 
A radiografia do lado oposto  para comparação é de fácil realização  e sempre de ajuda. Principalmente nas crianças, onde a presença  de núcleos de ossificação dificulta a interpretação,  a radiografia contra-lateral é de grande valia. 
 
MAPEAMENTO ÓSSEO
 
A cintilografia do esqueleto  é realizada mais freqüentemente com fosfonados marcados com tecnécio  99-m. Esse rádio-isótopo é incorporado ao osso em formação.  Também existe uma concen-tração aumentada de rádio-isótopos  nas áreas de vascularização aumentada. As duas principais  funções deste estudo são a estimativa da extensão  local intramedular do tumor e uma demonstração de outras áreas  esqueléticas envolvidas. 
 
Na avaliação local  do tumor, a extensão e a intensidade do aumento de concentração  podem fornecer informações sobre a agressividade biológica  do tumor. 
 
A cintilografia é também  de especial valor no diagnóstico das metástases salteadas, princi-palmente  na fase inicial, quando são de pequeno tamanho e, em geral, não  são visibilizadas nas radiografias. 
 
A cintilografia do esqueleto  continua sendo, apesar dos novos métodos de diagnóstico, a técnica  mais confiável para o diagnóstico precoce e a demonstração  das metástases ósseas. 
 
TOMOGRAFIA AXIAL COMPUTADORIZADA  
 
Desde que a tomografia axial  computadorizada já é facilmente disponível em nosso meio,  a experiência com sua utilização vem aumentando a cada dia.  A TAC vem ajudando no diagnóstico de lesões malignas principalmente  por sua capacidade de identificar pequenas metástases pulmonares, não  observadas através das radiografias e da tomografia convencional. 
 
O contraste na TAC auxilia na  identificação das principais estruturas neurovasculares, bem como  no realce de lesões bem vascularizadas, além de demonstrar relações  entre o tumor e as partes moles adjacentes, sendo também o melhor método  para a avaliação do comprometimento da cortical e de outros detalhes  ósseos. É também de extremo valor na avaliação  da ossificação e da calcificação da matriz. 
 
Hoje em dia, com o aparecimento  da tomografia helicoidal, o exame pode ser realizado em poucos minutos, evitando  a anestesia geral em crianças. 
 
RESSONÂNCIA NUCLEAR  MAGNÉTICA 
 
A ressonância magnética  é o avanço mais recente no diagnóstico por imagem dos tumores  músculo-esqueléticos, tendo acrescentado vantagens importantes  ao estadiamento. Em nossa opinião, a RNM e a TAC são exames complementares  e devem, se possível, ser utilizados em conjunto. 
 
O estudo de um tumor ósseo  através da RNM inclui imagens axiais com T1 e T2 e um conjunto de imagens  longitudinais no plano sagital ou frontal (T1). 
 
Consideramos a RNM o método  mais preciso para a avaliação da extensão intra e extramedular  de um tumor ósseo. A imagem longitudinal T1 é ótima para  a demonstração dessa relação. Em T1, o tecido neoplásico  demonstra, na maioria dos tumores ósseos, uma diminuição  na intensidade do sinal, quando comparado com a alta intensidade do sinal da  gordura intramedular. O contraste marcante entre os sinais da gordura e do tecido  neoplásico torna a RNM o melhor método para o estudo da extensão  intra e extramedular do tumor ósseo. 
 
ARTERIOGRAFIA 
 
A indicação primária  para a arteriografia é nas regiões de localização  anatômica difícil, como nas cinturas escapular e pélvica.  É também útil na avaliação pré-operatória  de tumores que serão submetidos a cirurgias preservadoras do membro,  nas quais o feixe vásculo-nervoso precisa ser sacrificado e reconstruído  por causa do envolvimento causado pelo tumor. O mesmo acontece na avaliação  pré-operatória de extre-midades que serão submetidas a  microcirurgia.
 
Não se pode esquecer a  utilização da arteriografia no tratamento dos tumores ósseos,  onde ela é utilizada freqüentemente para a colocação  do cateter junto ao tumor e a posterior infusão de quimioterapia intra-arterial.  
 
Devido à sua dificuldade  técnica e aos riscos inerentes ao exame, raramente utilizamos esse método  para diagnóstico em crianças. Sua utilização fica  restrita aos casos em que realizamos embolizações terapêuticas.  
 
ESTUDO DA RESPOSTA DO TUMOR  À QUIMIOTERAPIA 
 
As alterações radiográficas  consideradas como as evidências mais expressivas da resposta do tumor  ao tratamento quimioterápico são:  
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a redução      do volume do tumor;  
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a diminuição      da vascularização angiográfica e  
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as alterações      da radiografia plana, TAC e RNM que mostram a formação óssea      reacional na periferia do tumor, junto às partes moles.  
Contudo, nenhum desses estudos é  tão preciso ou confiável para julgar a eficiência do tratamento  coadjuvante quanto o mapeamento da necrose no espécime cirúrgico  ressecado, que consiste no estudo histológico de várias áreas  do tumor, com a finalidade de se estabelecer o grau histológico de necrose,  provocado pelo efeito da quimioterapia. 
 
BIÓPSIA 
 
O planejamento da biópsia  requer considerável estudo e estratégia, com a finalidade de nos  certificarmos de que qualquer procedimento cirúrgico subseqüente,  não seja prejudicado por alguma complicação. 
 
A região correta do tumor  deve ser biopsiada com o mínimo de violação dos tecidos  normais. O local da biópsia deve permitir a posterior ressecção  de seu trajeto, sem o comprometimento dos resultados posteriores da cirurgia  conservadora. Uma hemostasia meticulosa deve ser conseguida e o uso de drenos  deve ser evitado sempre que possível. 
 
Não pode haver dúvidas  de que o atraso no diagnóstico possibilita o crescimento do tumor, tornando  a cirurgia de preservação do membro menos provável. Os  mais longos atrasos aconteceram naqueles pacientes que tiveram suas radiografias  iniciais erroneamente diagnosticadas como normais. A conseqüente "falsa  segurança" causa um atraso adicional de 2 a 40 semanas, antes de  uma segunda radiografia que revele o diagnóstico correto. Neste grupo  de pacientes, diagnosticados de forma incorreta, 58% necessitaram amputações  ou foram considerados inoperáveis, índice inaceitável quando  comparado com 15% daqueles cujas radiografias iniciais foram corretamente interpretadas.  
 
Não encontramos lugar  para a biópsia por congelação nos tumores do esqueleto.  Mesmo em mãos de patologistas experientes, esta modalidade de biópsia  é passível de erros grotescos e comprometedores para a conduta  definitiva, em nada ajudando o tratamento do tumor. 
 
O diagnóstico dos tumores  ósseos após a história, exame físico, estudos de  laboratório e diagnóstico por imagem é ainda um diagnóstico  de presunção. Somente após o estudo anatomopatológico  do material obtido pela biópsia é que o tratamento pode ser iniciado.  A finalidade da biópsia é a obtenção de tecido suficiente  para um diagnóstico preciso, sem no entanto ocasionar efeitos lesivos  para a lesão e, principalmente, sem prejudicar o tratamento definitivo.  (40),(41),(46). 
 
As biópsias podem ser  realizadas de diferentes maneiras. Entre elas a aberta ou incisional e a percutânea  ou por punção. Historicamente, a biópsia incisional tem  sido considerada o procedimento com maior precisão e confiabilidade.  Atualmente, contudo, a biópsia percutânea tem sido em nosso Serviço  o procedimento de escolha para as lesões do esqueleto. A precisão  de nossos resultados é de 90%, o que corresponde à precisão  dos melhores resultados da biópsia incisional em outros Serviços  no exterior. (16),(40),(37),(46). 
 
É conceito mundial que  a biópsia deve ser feita pelo cirurgião que irá realizar  o tratamento definitivo do paciente. É procedimento criticável  realizar-se uma biópsia em um Serviço que não tenha todas  as condições de tratar o paciente (18), (39), (40), (41), (38),  (46), (60), (79), (92). [Veja vídeo demonstrativo sobre biópsia em Real Player] 
 
Biópsias realizadas de  maneira inadequada são responsáveis por modificações  no plano de tratamento. Esses problemas são três a cinco vezes  mais comuns quando a biópsia é realizada em instituições  que não contam com profissionais especializados em oncologia ortopédica,  em relação às biópsias realizadas em centros especializados  e de referência (60). Entre os problemas salientamos a obtenção  de tecido inadequado para o diagnóstico definitivo ou erros no diagnóstico  decorrentes de material não representativo, contaminação  excessiva das partes moles até então não envolvidas por  hematoma, infecção da cicatriz da biópsia e posicionamento  da biópsia de tal forma que uma ressecção cirúrgica  subseqüente fique comprometida, passando a ser obrigatória a amputação  em um paciente que anteriormente poderia sofrer uma cirurgia de preservação  do membro. 
 
Independentemente da técnica  utilizada, a biópsia deve ser realizada com cuidado e reunindo todas  as habilidades, para que possa auxiliar na conclusão do estadiamento  e dessa forma colaborar para se instituir o tratamento correto do tumor ósseo.